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Uma das grandes conquistas da saúde pública brasileira foi a criação, há 50 anos, do Programa Nacional de Imunizações (PNI). Considerado um dos maiores programas de vacinação do mundo, o PNI tem tido nestas cinco décadas um papel fundamental na proteção da saúde da população brasileira ao ajudar a eliminar e erradicar doenças, no controle de epidemias e surtos, na contribuição para a redução da mortalidade infantil e na diminuição de óbitos e internações causados por doenças imunopreveníveis.
Contudo, doenças até então erradicadas na população brasileira, como sarampo e poliomielite, voltaram a ameaçar a população com a queda da cobertura vacinal, hoje uma questão de saúde pública. Uma das causas é a hesitação vacinal, estimulada pela desinformação no debate público sobre as vacinas, algo capitaneado pelo último governo federal, estimulando o crescimento de movimentos anti-vacinas no Brasil.
De acordo com o Ministério da Saúde, dados de 2022 indicam que os índices de cobertura vacinal, que chegaram a 97% em 2015, caíram a 75% em 2020. %). Entre 2015 e 2021, as maiores quedas na cobertura estão relacionadas às vacinas para BCG (38,8%) e Hepatite A (32,1). Registrada pela última vez no país em 1989, a poliomielite é outra doença outrora erradicada com risco de ressurgir.
O que é hesitação vacinal?
A hesitação vacinal diz respeito ao atraso na aceitação ou recusa da vacinação, apesar da disponibilidade nos serviços. No artigo “Hesitação vacinal: tópicos para (re)pensar políticas de imunização”, publicado este ano pela Revista Brasileira de Medicina de Família e Comunidade, os autores buscaram oferecer aos profissionais da Atenção Primária à Saúde outro olhar sobre o fenômeno da hesitação vacinal.
Segundo os autores, a hesitação vacinal possui diversos determinantes, com origem em diversas crenças, questionamentos e receios.
Dúvidas quanto à real eficácia/eficiência e segurança das vacinas, o questionamento quanto o ganho financeiro e interesse comercial da indústria farmacêutica, o medo de eventos adversos até mesmo em longo prazo, a crença de que a imunidade adquirida pela infecção é melhor do que aquela gerada pela vacina e a crença de que hábitos de vida como alimentação saudável, por exemplo, são protetores contra e dispensam a necessidade de prevenção são algumas das questões apontadas pelos autores.
Para o médico infectologista e vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), Renato Kfouri, o combate à hesitação vacinal é uma luta constante. “Avançamos em alguns aspectos, mas regredimos em outros e doenças antigas ainda nos ameaçam. É preciso fortalecer o enfrentamento da desinformação, superar a desconfiança da população, ampliar o acesso às vacinas e retomar o lugar que sempre foi do Brasil na imunização da sua população”, afirma.
OMS e os 5 C
Em 2019, a Organização Mundial da Saúde (OMS) reconheceu a hesitação vacinal como uma questão de saúde pública global e apontou a falta de confiança, conveniência e complacência como fatores determinantes. Durante a pandemia de Covid-19, a entidade incluiu mais dois: contexto e comunicação. “Inicialmente, a OMS entendeu que as populações no mundo hesitam diante das vacinas pela percepção equivocada de que a doença não é mais uma ameaça e que, portanto, não há urgência em se vacinar, o que pode ser entendido como o item complacência entre os 5 C”, explica Kfouri.
A dificuldade logística no acesso às vacinas que estão disponíveis, seja pela distância até os postos, seja pelos horários das vacinações, é apontada pelo representante da SBIm como um fator para a hesitação ou a recusa vacinal, dessa vez por conveniência. “Além disso, há indivíduos e mesmo grupos cujo motivo para não se vacinarem é a desconfiança com a segurança das vacinas ou as intenções dos responsáveis por elas”, diz Kfouri ao descrever os fatores conveniência e confiança dos 5 C.
Os outros dois C (contexto e comunicação), ressalta o médico, foram incluídos pela OMS entre os fatores que levaram à hesitação vacinal durante a própria pandemia de Covid-19. “Os contextos sociais, culturais, políticos e econômicos que moldam as percepções e decisões em relação à vacinação passaram a ser considerados, assim como a forma como as informações sobre vacinas são comunicadas”, analisa.
Lamentavelmente, diz Kfouri, todos esses fatores fizeram da pandemia um terreno fértil para que movimentos antivacina prosperassem no Brasil, um fenômeno relativamente novo no país, mas com grande potencial de destruição.
“Ao lançar desconfiança sobre a segurança e a importância das vacinas contra a Covid-19, esses movimentos acabaram afetando todo o Calendário Nacional de Vacinação porque a mesma política pública que leva uma vacina à população promove as demais”, observa. “Os gestores municipais, estaduais e federais precisam estar atentos aos primeiros sinais de desacreditar as vacinas para adotar medidas de prevenção da desinformação e responder prontamente a fake news.”
Iniciativa paulista no combate à hesitação
Uma iniciativa promovida em Assis, no interior paulista, foi premiada na 17ª Mostra Nacional de Experiências Bem-Sucedidas em Epidemiologia, Prevenção e Controle de Doenças (17ª ExpoEpi), realizada de 7 a 10 de novembro, em Brasília (DF). Intitulado “O poder da comunicação no combate à desinformação sobre as vacinas”, o trabalho premiado relata a experiência do município conduzida pelo jornalista e publicitário Ítalo Luiz, assessor de comunicação da Prefeitura de Assis.
“Após muitos esforços em desmentir fake news, passamos a nos concentrar em criar e difundir conteúdos com credibilidade científica que fizessem frente a elas em quantidade e poder de persuasão”, conta Ítalo. “Com nossas ações se sobressaindo, naturalmente as pessoas não teriam tempo de disseminar notícias falsas, pois o que estava na mídia sempre era relacionado às nossas publicações e ações.”
A profusão de conteúdo com informação baseada nas melhores evidências científicas não se limitou às vacinas, mas a todos os assuntos que envolviam a saúde pública. “Precisamos investir nas ferramentas de comunicação, que são diversas. A nossa forma de comunicar precisa estar totalmente vinculada ao SUS e inserida na dinâmica atual de consumo de informação, além de regionalizada. Não dá para pegar uma campanha nacional e achar que isso corresponde à realidade de todos os municípios”, analisa Ítalo. “Cada cidade tem as suas peculiaridades e a forma de comunicar no SUS precisa deixar de ser genérica. Penso que o sucesso do que fazemos em Assis tem muito a ver com o entendimento das necessidades locais”, explica o jornalista.
Segundo Ítalo, as campanhas de comunicação contra fake news em Assis surtiram efeito já nas primeiras doses da vacina contra a Covid-19, com cobertura vacinal de 99,09% da população vacinável. A segunda dose manteve o patamar elevado, com 93,83% de cobertura. “Nossa cidade se manteve ao longo de toda a pandemia entre os municípios brasileiros que mais vacinaram, e isso só foi possível com o engajamento da população em torno de informações com bases científicas e que encorajaram a vacinação”, orgulha-se o assessor de comunicação.
Reportagem por: Diego Freire
Edição: Madson de Moraes