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Ex-presidente do COSEMS/SP por dois mandatos, Gilberto Natalini afirma que o investimento no sistema é passo fundamental para recompor a saúde pública brasileira
Médico formado pela Escola Paulista de Medicina, Gilberto Natalini iniciou sua trajetória política na década de 1970, quando era estudante de medicina. De lá para cá, Natalini foi secretário da Saúde da cidade de Diadema e de São Lourenço da Serra, além de presidir o COSEMS/SP por dois mandatos e comandar também o CONASEMS. Somado à experiência como gestor de saúde, sempre em defesa do SUS, Natalini foi vereador da capital paulista por cinco mandatos. Na entrevista, o médico, de 70 anos, avalia os desafios para o SUS nos próximos anos.
JC – Como o senhor avalia o SUS no contexto atual e como priorizá-lo nas pautas eleitorais?
Natalini: O SUS sempre teve uma evolução com altos e baixos, mas está passando um dos piores momentos de sua existência. Momentos em que ele teve esplendor com recursos extras e melhores gestões. Momentos quando os recursos minguaram e a gestão foi muito desorganizada e ainda momentos em que a corrupção dominou o sistema. Agora, vivemos um momento muito difícil e complexo para por vários motivos. Primeiramente, o recurso está congelado. Não há dinheiro novo para o sistema, o que está causando desassistência. Também vivemos um desentrosamento entre os entes federativos por falta de diretrizes do Ministério da Saúde que, em vez de ter uma parceria profunda com estados e municípios, como rezam a Constituição Federal e a Lei Orgânica do SUS, entrou em um modelo de competição numa espécie de vingança política, partidarizando a questão.
JC – Quais são os principais desafios a serem enfrentados pelo SUS nos próximos anos?
Natalini: Um será a retomada do SUS, que vem resistindo bravamente a todas as suas dificuldades. Na pandemia, apesar das dificuldades políticas, administrativas e financeiras, ele mostrou sua grandeza como a maior reforma sanitária que o país já teve. Para os próximos anos, precisamos de dinheiro novo no sistema, porque a defasagem do financiamento do SUS é grande. O sistema já foi subfinanciado, mas, agora, está desfinanciado. Temos visto a questão da hemodiálise, as clínicas gastam R$ 314 e recebem R$ 219 do Ministério da Saúde, um déficit de quase R$ 100. Também será preciso um choque de gestão para voltar à harmonia tripartite do SUS. É precisar fazer funcionar plenamente esse modelo de pacto federativo, que é revolucionário, como já ocorreu em outras épocas. Ou seja, precisamos que o Governo Federal, Governo estadual (por meio do CONASS) e governos municipais (por meio do CONASEMS) se sentem à mesa para voltar à questão tripartite e equacionar a questão do sistema. É preciso aprofundar a regionalização do SUS, caminhar com a PPI (Programação Pactuada e Integrada), reorganizar o sistema, informatizar e racionalizar para conter os rastros de desperdícios que a desorganização pode trazer.
JC – Na sua opinião, qual é o nó crítico da política de saúde brasileira?
Natalini: Sem o SUS, teríamos uma situação de calamidade da saúde no país. Hoje, 160 milhões de brasileiros dependem exclusivamente do SUS, portanto, o sistema é uma necessidade imperiosa para a política pública. O nó mais importante que existe se encontra na falta de dinheiro para investir. Somando o dinheiro federal, estadual e municipal investido no sistema, dividindo pelos habitantes do Brasil, temos R$ 3,80 per capita por dia para o SUS fazer promoção, prevenção, cura e reabilitação. O Brasil é um dos países que menos investem em saúde pública no mundo. Também existe o nó provocado pelo choque de gestão entre os entes federativos, a moralização do sistema e a modernização com telemedicina para ajudar a organizar as questões do SUS.
JC – Numa entrevista de 2017, o senhor afirmou que há um “grande perigo no Brasil de termos uma lesão irreversível no SUS que criamos”. Como estamos hoje?
Natalini: Nós, que ajudamos a criar toda essa estrutura que é o SUS, temos uma preocupação grande porque as forças contrárias ao SUS são ainda presentes e muito violentas. Exemplo disso ocorreu em 2015, no governo Dilma, quando o Congresso aprovou e foi sancionada a entrada do capital estrangeiro na saúde brasileira, algo que era proibido pela Constituição. Já tinha sido permitido o capital estrangeiro na educação, com grandes empresas multinacionais que foram comprando a educação brasileira. Isso nos assusta muito porque esse capital é predatório, não tem qualquer compromisso com a saúde dos brasileiros, tratando-a como mercadoria. Saúde não é mercadoria, saúde é o bem primeiro da vida, devendo ser protegido pela política pública e a sociedade em geral. Governos como o atual, que ri da pandemia, que zomba da virose, que é contra a vacina, que transforma o Ministério da Saúde no bunker ideológico do seu partido, também nos assusta. O SUS é um sistema de saúde do Estado, e não de um governo específico. É o grande plano de saúde do povo brasileiro. Além do financiamento, do choque de gestão, o SUS precisa de uma ação republicana, porque só sobreviverá se houver uma ação com envolvimento de todos os entes federativos e de toda a sociedade brasileira para melhorar e amparar o sistema de saúde.
JC – Em São Paulo, qual seria a prioridade para o governo estadual que assume a partir do ano que vem?
Natalini: De uns anos para cá, acredito que a secretaria de Saúde de São Paulo perdeu seu protagonismo central no SUS. Qual é esse protagonismo? É buscar as diretrizes gerais do Plano Nacional de Saúde, do Ministério da Saúde, aplicar o projeto no estado e coordenar os 645 municípios na execução do plano. Ou seja, zelar para que as desigualdades regionais sejam desfeitas, promover uma regionalização mais aprofundada e zelar para que a distribuição dos recursos seja equânime. A secretaria de Saúde já teve um protagonismo muito maior e posso citar o período do Dr. José da Silva Guedes, um grande secretário, quando a secretaria exercia seu papel regulador do SUS. Acredito que é preciso trazer de volta o espírito do SUS para que a secretaria tenha um papel fundamental na regulação estadual do sistema, na coordenação política da assistência à saúde e na organização dos municípios entre si.
JC – No que sua experiência como presidente do COSEMS/SP ajudou em sua trajetória legislativa?
Natalini: A minha militância na saúde remonta ao ano de 1970, quando já estava na Escola Paulista de Medicina. Passei pelo sindicato dos médicos, gestão municipal, como coordenador da saúde do trabalho da região de Campo Limpo, fui secretário de saúde de Diadema, presidente do COSEMS-SP por duas vezes, presidente do CONASEMS e eleito vereador na capital paulista em cinco mandatos. Meus mandatos se dividiam em primeiro lugar pela defesa intransigente da saúde pública e do SUS. Fizemos muitas mobilizações, leis e cobranças para que o SUS pudesse avançar na cidade. A primeira ação firme que participei foi acabar com o PAS (Plano de Atendimento à Saúde, foi criado pela Prefeitura Municipal de São Paulo, na gestão de 1993/96) e trazer o SUS de volta à maior capital do país para ajudar a desenvolver o sistema na cidade. A partir daí, continuei lutando para ampliar as equipes da saúde da família, criar prontos-socorros de atendimento, terminar obras de hospitais que estavam paradas, a fim de ampliar a rede pública. Em 2004, São Paulo tinha 484 unidades municipais de saúde. Em 2012, mais de 900. Participamos disso tudo por meio de nosso mandato em saúde. Eu e o SUS temos um casamento inseparável. O fato de ter sido presidente do COSEMS-SP me deu uma experiência enorme. Aprendi muito com nossos colegas, fui um bom aluno e isso tem servido para a minha vida.