Siga a gente
Av. Angélica, 2466 - 17º Andar
Consolação - São Paulo / SP
CEP 01228-200
55 11 3083-7225
cosemssp@cosemssp.org.br
A região de Sorocaba comemorou uma vitória histórica referente ao processo de desinstitucionalização de pacientes de hospitais psiquiátricos. Na última semana, de forma solene, foi fechado o Hospital Vera Cruz, símbolo de uma luta que há anos vem sendo travada pelos gestores de Saúde para o fim de internações de longa duração de pacientes com distúrbios mentais em hospitais e que condiz com o processo da Reforma Psiquiátrica brasileira.
Para detalhar as ações locais e a importância deste feito, o secretário de Saúde de Sorocaba, Ademir Watanabe, concedeu entrevista ao COSEMS/SP e explicou como se deu todo o processo do Termos de Ajuste de Conduta (TAC) entre os entes federados e Ministério Público e os resultados alcançados pelo município.
COSEMS/SP: Como se deu o fechamento dos Hospitais Psiquiátricos do Termo de Ajuste de Conduta (TAC), em Sorocaba?
Ademir Watanabe: O fechamento dos 7 hospitais psiquiátricos do TAC Sorocaba deu-se de forma gradativa, com o retorno de alguns pacientes às famílias ou inserção em Residências Terapêuticas ou com a transferência dos pacientes para o Polo de Desinstitucionalização Hospital Psiquiátrico Vera Cruz.
Em 28/11/2012, o Poder Judiciário determinou a intervenção da Prefeitura Municipal de Sorocaba no Hospital Vera Cruz (PVC), cabendo à mesma administrar, gerenciar e desinternar os cerca de 300 pacientes que se encontravam internados àquela data, e encerrar as atividades do hospital. Em 18 de dezembro de 2012, houve a assinatura de um TAC, proposto pelo Ministério Público e celebrado pela União, estado e os municípios de Sorocaba, Salto de Pirapora e Piedade.
Com o fechamento do Hospital Jardim das Acácias (Associação Protetora dos Insanos de Sorocaba – APIS) em 27/02/2014; Hospital Mental Medicina em 23/07/2014 e do Hospital Teixeira Lima em 2015, o HVPC admitiu um total de 398 novos pacientes, sendo denominado Polo de Desinstitucionalização Vera Cruz – PDVC.
Após a transferência dos pacientes para o Polo, foram realizadas intervenções importantes para a Desinstitucionalização, tais como estímulos às Atividades de Vida Diária, busca e estímulo ao contato/vínculo familiar, e retomada à moradia com as famílias ou em Residências Terapêuticas dos municípios de origem ou para vagas solidárias. Até o momento, Sorocaba foi o único município a cumprir integralmente o TAC.
COSEMS/SP: Quantos Hospitais Pisciquiátricos foram fechados?
AW: Jardim das Acácias (Associação Protetora dos Insanos de Sorocaba – APIS) em 27/02/2014; Hospital Mental Medicina em 23/07/2014 e do Hospital Teixeira Lima em 2015.
COSEMS/SP: Quantos pacientes egressos e quantos municípios estão envolvidos?
AW: Pacientes internados nos Hospitais Psiquiátricos em Sorocaba de 2013 a 2018:
Janeiro/2013 |
Janeiro/2017 |
Março/2017 |
Abril/2017 |
Março 2018 |
|
Hospital Vera Cruz |
512 |
304 |
270 |
257 |
Fechado |
Mental Medicina |
371 |
Fechado |
Fechado |
||
Hospital Teixeira Lima |
245 |
Fechado |
Fechado |
||
TOTAL |
1.128 |
304 |
270 |
257* |
0 |
Os 512 pacientes que fizeram parte do processo de desinstitucionalização eram procedentes de aproximadamente de 135 municípios brasileiros, incluindo outros estados, como Minas Gerais, Pernambuco, Paraná e Rio Grande do Sul.
Desta forma, aspectos dos diversos tipos de relações foram estimulados pela equipe técnica, em um trabalho gradativo de experimentações intra e extra-hospital que contribuíram para ressignificações de vida destes moradores.
COSEMS/SP: Quanto tempo durou o processo de desinstitucionalização?
AW: Desde a assinatura do TAC: cinco anos e três meses.
COSEMS/SP: Como é hoje a estrutura de Saúde Mental de Sorocaba?
AW: A Rede de Atenção Psicossocial de Sorocaba é constituída por dois CAPS III, três CAPS II IJ e doiss CAPS AD III, e acaba de implantar 14 novas residências terapêuticas, totalizando 40. Um novo CAPS III na região Leste do município está em implantação, com inauguração prevista para o final do mês de março. As 32 Unidades Básicas de Saúde possuem equipes de matriciamento em Saúde Mental que ofertam apoio de forma territorializada. O usuário possui acesso direto ao acolhimento e elaboração de seu Projeto Terapêutico Singular, no CAPS e nas Unidades Básicas de Saúde. O município também conta com 10 leitos de internação na Santa Casa de Sorocaba, além da retaguarda do SAMU/ UPHs e UPAs. A avaliação psiquiátrica de urgência é realizada no CHS.
O conjunto das ações e intervenções realizadas pela Coordenação de Saúde Mental tem como objetivo principal a reinserção social dos indivíduos e a garantia dos seus direitos de forma responsável, processual e acolhedora.
COSEMS/SP: Qual a maior dificuldade encontrada?
AW: Uma das dificuldades do processo de desinstitucionalização ocorreu pela necessidade de não só da ampliação da Rede de Apoio Psicossocial (RAPS), mas também do fortalecimento da rede, uma vez que o processo não se trata apenas de uma “desospitalização” e sim na implantação de uma rede substitutiva de cuidado. Assim, nossa Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), tem sido fortalecida, através da reformulação do fluxo, da recomposição das Equipes de Atenção Básica, e da articulação entre os serviços dos territórios. Todos os equipamentos da RAPS têm sido supervisionados pela equipe de Saúde Mental, com ênfase nos CAPS, SRT’s e Atenção Básica, para apoiar a prestação do cuidado aos usuários destes serviços. Entre os mecanismos de apoio utilizados estão presentes as capacitações mensais para cuidadores e Técnicos de Enfermagem dos SRT, com temas coerentes com as demandas observadas nas Visitas Técnicas, e relatadas por colaboradores e moradores.
COSEMS/SP: Qual foi o apoio recebido do município por meio do Ministério da Saúde e Secretaria de Estado da Saúde?
AW: O plano de ação para a desinstitucionalização das pessoas internadas em cada um dos hospitais psiquiátricos foi elaborado com preservação das competências constitucionais e legais atribuídas às três esferas de gestão do SUS. Sendo assim, foi instalada uma comissão tripartite (Ministério da Saúde, Secretaria Estadual de Saúde e Secretaria de Saúde dos municípios de Sorocaba, Salto de Pirapora e Piedade), com o objetivo de atender as medidas necessárias e visando a desinstitucionalização dos pacientes dos hospitais psiquiátricos. Nesta comissão, cada esfera teve o seu papel, cabendo ao Ministério da Saúde a cooperação técnica e financeira, acompanhamento, controle e avaliação da implantação do plano de ação; ao estado de São Paulo – Apoio técnico e financeiro, realização da interface com os municípios de origem dos moradores dos HP; e aos municípios, além da participação no financiamento das ações e serviços, planejar, organizar, controlar, avaliar, gerir e executar as ações e serviços públicos de saúde necessários para a implantação do plano de ação.
COSEMS/SP: O que significou o Vera Cruz para a história de Sorocaba?
AW: Sorocaba, somada a outros municípios em seu entorno, foi uma região que historicamente concentrou um grande número de internações psiquiátricas para pessoas provenientes de todo estado de São Paulo e também algumas de outros estados. A implantação de hospitais psiquiátricos na cidade se deu ainda no início do século XX, na época com caráter asilar (de moradia) em grande parte. Durante a segunda metade do século, deu-se um crescimento em todo Brasil na criação de hospitais psiquiátricos, e a região de Sorocaba foi uma das que teve um alto número dessas implantações. O Hospital Vera Cruz tem seu início nesse período, bem como outros hospitais psiquiátricos locais. Tanto Sorocaba quanto outros municípios foram cenários significativos do crescimento deste modelo, hospitalocêntrico e asilar, que era o vigente para a época.
Durante muitos anos, tal modelo era considerado em diversos países como o único possível para o acolhimento ou tratamento dos indivíduos com transtornos mentais ou deficiências intelectuais. Só que neste modelo, muitas pessoas foram internadas por tempo prolongado ou indeterminado, sendo retiradas de seu convívio familiar e social. A partir dos anos 80, no Brasil, passou a ser repensado o modelo de tratamento, com o movimento da Reforma Psiquiátrica, já expoente em outros países. Desde então, alguns municípios iniciaram a reforma de seus modelos de Saúde Mental, mais efetivamente a partir da Lei 10.216 de 2001, a qual propõe a implantação de outros serviços de atenção, incluindo aí serviços não hospitalares, para o cuidado em liberdade, no próprio território onde as pessoas moram.
Sorocaba se manteve com uma alta concentração de hospitais por muitos anos e em 2012 se firmou um acordo com o Termo de Ajustamento de Conduta para Desinstitucionalização. Tal acordo foi firmado entre Ministério Público, Governo Estadual de São Paulo, Prefeituras Municipais de Sorocaba, Piedade, Salto de Pirapora e Governo Federal/ Ministério da Saúde, além dos municípios de referências dos pacientes que seriam desinstitucionalizados, e Sorocaba enquadra-se na responsabilidade de cumprir com o processo de Desinstitucionalização de seus pacientes, moradores provenientes de sete hospitais psiquiátricos da região há muitos anos. Este acordo teve como objeto a adequação da assistência em saúde mental em consonância com os programas do Sistema Único de Saúde para atenção integral e humanizada à saúde, baseando-se nas Leis 10.2016/2001, 8.142/1990, 8.080/1990, 10.708/2003.
Para muitas pessoas que se tornaram moradoras destas instituições, os anos de permanência no hospital prejudicou seus vínculos familiares e cronificou-as com efeitos da “institucionalização”, que são por exemplo, a perda de habilidades pessoais básicas e sociais. Ficaram por um longo período completamente privadas do convívio em sociedade, o qual se configura hoje como base fundamental dos Direitos Humanos. Algumas pessoas, anteriormente à institucionalização, eram ativas e até mesmo estudaram ou trabalharam; talvez, se tivessem tido a oportunidade na época de um tratamento adequado, no qual não fossem excluídas da comunidade, poderiam ter tido uma vida mais digna, desenvolvendo melhor algumas potencialidades singulares.
Entende-se que para muitas famílias era difícil o cuidado com seu familiar morando na própria casa, considerando-se que em um passado distante não existiam recursos extra-hospitalares, serviços que dessem o apoio necessário no tratamento e aos momentos de crise em cada quadro. Historicamente, a concepção da sociedade em geral foi rodeada pelo medo e preconceito quanto ao convívio com tais indivíduos, já que durante séculos houve a exclusão dessas pessoas, as quais se tornavam “desconhecidas”, contexto o qual não preparou a comunidade para lidar com as diferenças. Atualmente, tem-se outro modelo de cuidado, nacionalmente preconizado, humanizado, além de todo desenvolvimento científico das Ciências da Saúde e Humanas, que permitem a mudança e evolução das formas de tratamento. Desta maneira, nos últimos anos, o Brasil todo veio passando por reestruturações na área da Saúde Mental, com a substituição dos hospitais psiquiátricos por outros serviços inseridos na comunidade, como os Centros de Atenção Psicossocial, os leitos de Enfermaria Psiquiátrica dentro dos Hospitais Gerais, as equipes de saúde mental nas Unidades Básicas de Saúde.
O movimento de Desinstitucionalização ocorreu, portanto, em diversas cidades, e em Sorocaba é significativamente importante tendo em vista o número de internos que a cidade comportava. A partir de 2012, cada hospital foi sendo fechado e o Vera Cruz concentrou uma parte desses moradores como um polo para esse processo, para que dali fossem todos realocados nos Serviços Residenciais Terapêuticos, que são moradias exclusivas para pessoas egressas dessas longas internações ou para o retorno às casas de suas famílias, em alguns casos. Concomitantemente, novos serviços foram sendo instalados na cidade e a rede de Atenção Psicossocial foi ampliada e fortalecida. Desde então, a Coordenação Municipal de Saúde Mental, bem como a equipe do Hospital Vera Cruz trabalharam na perspectiva para a alta, preparando os pacientes para a saída do hospital e o resgate das habilidades e potencialidades de cada um para a reinserção social.
Hoje, a Desinstitucionalização significa um grande passo para o município de Sorocaba, representando para as pessoas que têm saído do hospital o resgate da cidadania, do direito ao convívio, à liberdade e ao acesso aos serviços do Sistema Único de Saúde, em seus diversos níveis de complexidade, que são garantidos a todos os cidadãos.
A Desinstitucionalização se configura como um processo complexo, que vai além da desospitalização, pois significa toda uma transformação de paradigmas da sociedade, em uma óptica antimanicomial em todos os outros serviços, os quais têm sido cuidadosamente supervisionados e desenvolvidos para que possam continuar realizando um trabalho efetivo de Reabilitação Psicossocial.