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Na última semana, o COSEMS/SP e a Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo (SES/SP) promoveram o encontro “Desinstitucionalização e Fortalecimento da RAPS: Direito a Vida em Liberdade”. O dia foi dedicado a debates relacionados às políticas públicas voltadas à Saúde Mental e contou com a participação da jornalista investigativa e autora, Daniela Arbex, que relatou de forma emocionante sua experiência na produção do livro Holocausto Brasileiro. Mais de 500 pessoas lotaram dois auditórios do Centro de Convenções Rebouças, na capital paulista.
José Eduardo Fogolin, representante do COSEMS/SP na mesa de abertura reafirmou o compromisso do COSEMS/SP com o processo de desinstitucionalização. “Acompanhei a formulação da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) quando estava no Ministério da Saúde. Mesmo com as dificuldades encontradas pelos municípios em diversas áreas da saúde pública, apoiamos a implantação da rede substitutiva e a saída dessas pessoas dos hospitais”, disse.
O secretário de Bauru aproveitou a oportunidade para convidar todos a participarem, em dezembro, da celebração dos 30 anos do encontro ‘Por uma sociedade sem manicômio’, reeditando 1987, onde foi realizado solenidade pela luta antimanicomial.
A representante da SES/SP, coordenadora da Saúde Mental, Rosângela Elias, apresentou os novos resultados do processo de desinstitucionalização no estado. Clique aqui e obtenha a apresentação. “Apesar dos números mostrarem queda de 42% desde o último Censo, realizado em 2014, onde existiam um total de 4.439 de pessoas internadas em hospitais psiquiátricos e em 2017 esse número chegou 2.565, muito dessa diminuição está relacionada a óbitos. Foram registradas 11% de novas internações. A porta aberta é fácil, a saída é difícil. A lógica manicomial ainda não foi superada”, relatou Rosângela.
De 2007 a 2016, o número de Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) no estado de São Paulo, equipamento que faz parte da rede substitutiva, teve um incremento de 211 para 497.
Na mesa ‘Direito à vida em Liberdade’, Lisiane Braecher do Ministério Público Federal, Roberto Campos Andrade, Ministério Público Estadual e Daniela Skromov de Albuquerque, da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, debateram sobre a autonomia e reinserção social das pessoas com transtorno mental.
“É preciso garantir os direitos de participação nas discussões e elaborações das políticas públicas. O Hospital pode ser ótimo, lindo, mas não é um lugar para se morar”, declarou Lisiane.
A defensora pública, que participou do início do processo do Termo de Ajuste de Conduta (TAC), do município de Sorocaba, referente ao processo de desinstitucionalização do Hospital Vera Cruz, relatou que a Lei (10. 216, de 2001) blinda a liberdade como premissa ao ser humano. Temos que nos questionar porque existe isso? Por que em algum momento permitiram isso? Penso hoje que toda a internação médica necessita do consentimento da pessoa.
Já Andrade, citou que a interpretação do direito é complicada. “A proximidade dos atores é uma terapia que se possa vencer as divergências. Não é fácil chegar onde chegamos e a as salas lotadas deste evento são uma demonstração disso. É um problema atual. Vivemos hoje com pessoas internadas, desassistidas. A melhor saída para os que tiveram sua liberdade tirada é a escolha, a opção. Um simples gesto, como cozinhar em casa, por exemplo, já é um direito e todos os trabalhadores da Saúde tem uma importância fundamental neste processo”.
Elaine Giannotti, assessora do COSEMS/SP e moderadora da mesa salientou a necessidade do apoio da sociedade para a implementação da rede substitutiva, defendida e debatida periodicamente pelo COSEMS/SP. “É um modelo que não foi implementado em sua totalidade. Precisa ser discutido de forma permanente entre todos.
O encontro proporcionou a apresentação da jornalista Daniela Arbex, que protagonizou um dos momentos mais emocionantes do dia. Confira abaixo a entrevista com a autora. A solenidade contou também com relatos de experiências municipais em CAPS e hospitais gerais, além de apresentações de vídeos e o encerramento com Emerson Elias Merhy, professor da UFRJ.
Entrevista
Daniela Arbex, jornalista investigativa, com 22 anos de carreira e que desde 2003 luta pelos direitos das pessoas com transtorno mental. Em 2004 ganhou prêmio por série de matérias que resultaram no fechamento de hospitais psiquiátricos, em Juiz de Fora, Minas Gerais.
É autora da obra ‘Holocausto Brasileiro’, eleito melhor livro-reportagem do ano pela Associação Paulista de Críticos de Arte (2013) e segundo melhor livro-reportagem no prêmio Jabuti (2014), que relatou o que acontecia no Hospital Colônia, na cidade de Barbacena, em 1961, que resultou na morte de 60 mil pessoas.
Com mais de 150 mil exemplares vendidos no Brasil e em Portugal, a obra ganhou as telas da TV, em 2016, no documentário produzido com exclusividade para a HBO, com exibição prevista em mais de 20 países. Seu mais recente sucesso, Cova 312, aborda a ditadura de uma forma que a história oficial nunca fez.
Qual foi o ponto de partida para contar a história do Hospital Colônia?
Em 2009 tive acesso às imagens que me impactaram muito, do fotógrafo Luiz Alfredo, e quis imediatamente ouvir os sobreviventes. Precisava que as pessoas fossem fotografados novamente pelo Luiz, o que tornou a busca mais difícil, pois a chance de encontrar pessoas vivas era muito pequena. Encontramos inicialmente 20 e hoje restam 100 sobreviventes.
Quais os principais obstáculos para a produção?
O livro possui muitos personagens, entrevistei bastante pessoas que trabalharam e também que resistiram muito em falar. Eles diziam que não eram nazistas ou no meu plantão não acontecia nada, mas ao longo do processo de entrevistas, pois retornei por volta de cinco vezes na casa das pessoas, eles começaram a refletir sobre o que fizeram parte, do tamanho da tragédia a qual fizeram parte. Então, após as primeiras entrevistas, as pessoas já estavam mais abertas e reflexivas ao ponto de entendem que elas poderiam ter evitado muitas mortes.
Principal desafio foi falar com as pessoas. Primeiro encontrá-las, depois falar, principalmente com os funcionários. Mas não fico pensando nos obstáculos. Tiveram muitos, existem muitos, mas não me prendo a eles.
Quanto tempo levou para finalizar o livro?
Após ver as fotos, em 2009, só consegui iniciar minha busca em 2011. Fizemos a primeira série de matérias, que conquistou o Prêmio Esso em 2012. Fiquei dois anos envolvida na produção do livro. Tive que começar tudo novamente, pois a linguagem do jornal é diferente da literária e entendi que precisava fazer uma coisa de qualidade. Comecei do zero. Foi meu primeiro livro. Já em 2015 publiquei o segundo, ‘Cobra 312’. Os dois ganharam o Prêmio Jabuti e lanço em janeiro meu novo livro.
Como foi o processo de tornar o livro em série de TV?
A produção da série foi um desafio. Sou filha de papel, não estou acostumada ao áudio visual, mas o diretor comentou comigo que ninguém conhecia a história como eu, que conhecia de gente. Não foi fácil, fui uma estranha no ninho no set de filmagem porque todos eram da área e estava eu lá dando pitaco. Foi legal que eles entenderam que a parceria era necessária. Não faria sozinha e eles também não sem eu ter participado. Estar presente em todos os processos que aconteceram fazia com que estivesse presente. Foi um ano na sala de montagem com o montador, o brilhante Fabio Cabral.
Existiram barreiras políticas. Sempre tem uma ala que não quer que revele casos que os prejudiquem. Estou acostumada com isso no trabalho. Sempre incomodei as pessoas. No caso do Holocausto foi o retorno ao Hospital com a equipe de filmagem. Um processo tenso, mas aconteceu do funcionário do Colonia se tornar o presidente da Fundação Hospitalar de Minas Gerais. Humanista, ele não negaria minha entrada lá pela história dele. E tudo foi uma conspiração do bem para que a gente conseguisse entrar lá.
Qual sua avaliação sobre o encontro?
Houve um avanço, mas acho que existem muitos desafios. Um evento como esse mostra que apesar de todas as dificuldades tem muita gente querendo a mesma coisa, que não vai aceitar as pressões políticas, o retrocesso de abrir leito em hospital, pois isso é uma política que temos que considerar do passado. Não podemos permitir que isso volte a acontecer.
Portanto, este evento é inspirador neste sentido, de dar força para que essa luta continue porque a gente sabe que não é fácil a luta contra os poderes instituídos, contra o poder do dinheiro. Sabemos que as internações alimentaram um comércio muito poderoso. O doente mental é um ‘cheque ao portador’. Estamos no caminho certo, apesar dos riscos das correntes contrárias temos muitas pessoas fortes que devem se encorajar para combater tudo isso”.