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O COSEMS/SP entrevistou o coordenador do ‘Projeto Saúde em Ação’, do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Ricardo Tardelli, que explicou as etapas da iniciativa que conta com investimento de aproximadamente R$ 830 milhões e contemplará reforma e construção de Unidades de Saúde e hospitais, dentre diversos aspectos relacionados à Saúde Pública, em 71 municípios de cinco regiões do estado de São Paulo. Confira.
COSEMS/SP: Qual o principal objetivo do Projeto BID?
Tardelli: A parceria entre estado e municípios é o principal objetivo do projeto. O SUS foi constituído, a partir da Constituição de 1988, regulamentada em 1990, de maneira a dividir as atribuições de União, estados e municípios de forma bem definida. Cabia a União o financiamento, as normatizações do sistema, o estado deveria fazer a função de média e alta complexidade e o município ficaria com a atenção primária. Essa distribuição, que no começo parecia ser um tema interessante, já que tivemos um grande processo de municipalização, com muita força e que trouxe o que se esperava à época, hoje, passados esse tempo, talvez precise ser revisado.
Quando a gente fala município, é um conceito que é correto, porque tem município, como São Paulo, e municípios muito pequenos, que não tem condição de tocar a grande complexidade do SUS. Seja por dificuldade financeira ou técnica. Portanto, tirando municípios grandes e que são potentes os outros municípios lidam com muita dificuldade com esse sistema. E a gente observa que, se não tiver uma efetiva participação de todas as instâncias, tanto estado quanto União, fica muito difícil o município cumprir a tarefa que foi definida para ele. E o município vem lutando, com tudo que pode. Ele (município) tem investido muito mais do que a Lei obriga (mínimo de 15%), e em conversas com prefeitos eles nos falam que colocam 20% a 30% da receita municipal na área da Saúde e as reclamações se somam. Ou seja, ficou muito pesado para o município. A maior conta na divisão das três esferas coube aos municípios. E sabemos desta dificuldade. Existe descontinuidade quando se muda o prefeito e, muitas vezes, se muda radicalmente. As pactuações entre municípios também mudam pela falta de reconhecimento de quem assumiu a gestão.
Por isso notamos que tem que existir uma confluência de forças para que se possa garantir a estrutura que nós pensamos para o SUS. Onde a Atenção Primária é a base do sistema, o que daria condição do sistema se assentar, um alicerce. Mas na verdade não funciona tão bem assim. Por conta de toda essa fragilidade e multiplicidade de tarefas que o município tem, como tomar conta da Atenção Primária, da Urgência e Emergência, do pré-hospitalar, das ações de Vigilância, das ações de governanças do SUS, que também são complexas, e muitas vezes por pessoas que não sabem e não tem experiência, por não dispor de técnicos disponíveis, ou seja, tarefas grandes demais, que exigem muito dinheiro e pouca capacidade do município, porém muita vontade. Percebemos muitas iniciativas de prefeitos, dos secretários, mas pouco apropriados para fazer isso.
Portanto, o estado percebeu que a oportunidade de um projeto, com recursos vindo de fora, seria tentar apoiar, pelo menos de um maneira regional, a estruturação da atenção primária, não só do ponto de vista de construir unidade, mas de ter oportunidade de conversar com os municípios, de discutir os temas estruturantes da rede, como a Regulação, protocolos clínicos, melhoria do fluxo de informação, a informatização, enfim, o que chamamos de caixa de ferramenta, ou seja, o que o prefeito ou secretario precisa para melhorar o sistema. E essas ferramentas são o componente técnico do projeto. Temos dois componentes, o de obra e o de projetos. E não só isso, algumas regiões precisavam dar um reforço na atenção secundária e terciária, o caso, por exemplo, de Avaré, que necessitava da construção de um Ambulatório Médico de Especialidades (AME), de Registro, e da região do Litoral Norte.
COSEMS/SP: Quantas unidades estão previstas para entrega apor meio do projeto?
Tardelli: Temos uma previsão de 160 obras, das quais uma parte delas são reformas de unidades já existentes. Algo em torno de 40 reformas, pois apenas 30 municípios necessitam. Os números não são exatos, pois em algumas unidades, que estão em ruim estado, estamos destruindo e construindo uma nova. Isso é mais uma carga para o município porque enquanto ocorre a reforma o serviço e usuários devem ser atendidos em outro local. Tentamos apoiar os municípios de maneira que possam dar conta disso.
O projeto veio em uma época com grande preocupação com a Atenção Psicossocial e a constituição das RAPS (Redes de Atenção Psicossocial), e neste sentido existe no projeto a construção de 20 CAPS, sendo tipos I, II, II e AD (Centro de Atenção Psicossocial) e a construção de três enfermarias de psiquiatria dentro de hospitais gerais, uma no Hospital Stela Maris, em Caraguatatuba, uma na Santa Casa de Itararé e outra na Santa Casa de Apiaí. Muitas regiões que receberão CAPS não possuem psiquiatras, portanto, irão iniciar seus serviços sem especialista.
As primeiras entregas que irão acontecer são de cinco CAPS na região de Campinas, por uma circunstância da licitação. A construtora conseguiu avançar rapidamente. E estamos vendo como poderemos apoiar os municípios pequenos da região, planejando oficinas para orientações sobre a forma de trabalho que exige um CAPS.
O prazo final para todas as obras, tanto reformas quanto construções, está previsto para meados de 2019. Os valores do projeto são referentes apenas à construção e reformas não englobando o custeio das unidades.
COSEMS/SP: Quais as etapas do projeto BID?
Tardelli: O projeto está definido em cinco anos e já decorreram três. Talvez exista possibilidade de prorrogação devido aos contratos vigentes, que necessitam ser encerrados para poder garantir a entrega de todos os produtos.
No decorrer das obras podem acontecer imprevistos como, por exemplo, em Caraguatatuba, onde existe a passagem de gasoduto e foi necessário pesquisar a Legislação para entender qual a distância regulatória que este gasoduto deve ficar da estrutura do hospital.
Outro atraso foi devido à reforma da estrada dos Tamoios, que também ocasionou adequações à obra. São diversos os imprevistos encontrados pelo caminho que estamos tendo que lidar durante o desenvolvimento do projeto.
A Regulação é o tema da moda e temos hoje muito bem estruturada a regulação de Urgência e Emergência e a CROSS conseguiu dar uma boa qualidade neste aspecto. Mas estamos tratando muita mais da regulação de acesso e dos procedimentos eletivos porque estamos atuando com a atenção primária e realizando uma boa interação entre a atenção primária e a especializada. Portanto, nossa ideia é qualificar o encaminhamento com critérios, ou seja, o paciente que vai para a especialidade tem uma razão de ser, que passe pelo conceito de estratificação de risco e a atenção especializada e dá o retorno à atenção primária, referência e contra referência, para estimular a responsabilização do paciente pela atenção primária em todas as etapas.
Outro tema oportuno é conhecer os contratos do SUS, no que compete em apoiar o município para saber o que ele já contrata na região. Saber quais são estes contatos e todas as obrigações dos contratados, sejam eles municipais ou estaduais. Tanto os diagnósticos, como também ensinar os municípios a lerem os contratos. A contratualização no SUS é complexa.
A Informatização é uma outra etapa importante e que se correlaciona com a Regulação. Temos uma boa expectativa com e-SUS AB, onde a nova versão é muito boa e todos os municípios serão contemplados pelo sistema, mas possuem aqueles que adquiriram sistemas distintos e que terão interligação com o e-SUS. Estamos preparando uma oficina para preparar multiplicadores para utilização do e-SUS. Todas as unidades do projeto serão informatizadas. Inclusive ampliamos um pouco o escopo, pois tem município onde algumas unidades ficariam sem computadores. Oferecemos um servidor e máquinas para cada município e este tem a incumbência de realizar a conectividade. Esperamos que as novas unidades se transformem em uma marca e que estimule o município a realizar o mesmo processo nas outras. Para isso desejamos manualizar o processo para entregar aos prefeitos.
Um fator importante é a presença de um generalista nas unidades, o que observamos se tratar de uma realidade em diversas partes do mundo, não somente aqui. Isso passa por um processo de mudança de lógica e a nova geração de médicos já está vindo com outra mentalidade.
COSEMS/SP: Em que fase está o transporte sanitário no projeto?
Tardelli: Foi um tema que apareceu com muita força nas regiões. Dentre as cinco regiões o que apareceu de maneira mais dramática foi de Itapeva, com condições geográficas desfavoráveis, estradas tortuosas e que se torna um sacrifício diário, com grande fluxo no transporte de pacientes, principalmente para o hospital e AME de Itapeva. Portanto, além do desenvolvimento de um plano para cada região, decidimos realizar um especialmente para esta região, baseado no modelo do estado de Minas Gerais. Claro que depende de uma série de etapas que iremos cumprir. Minas teve uma implantação onde o estado compra as viaturas, adquiri o software, apoia os municípios para se organizarem em consórcio e o município, como contrapartida, faz o custeio do sistema. Minas adotou esse método como política de estado. Essa não é nossa pretensão. Pretendemos montar um piloto, estudar a região, verificar as dificuldades, aspectos positivos e negativos do ponto de vista econômico financeiro, assistencial e de satisfação da população, para apresentar à Secretaria de Estado da Saúde (SES/SP). Estamos fazendo um levantamento demonstrando que existem vantagens na ampliação da equipe para o transporte, mas cabe aos municípios aceitarem bancar o custeio. O resultado de Minas parece ser interessante e esse é o tipo de iniciativa que o banco apoia. Protótipos bem estudados com avaliação prática dos impactos para ver se vale a pena virar política. No momento estamos finalizando os cálculos para verificarmos quanto gastam estado e municípios, assim poderemos mostrar aos prefeitos para que possam aderir ou não ao consórcio. Acredito que a grande maioria dos prefeitos está entusiasmada. Existem vantagens, pois além de ser melhor para o paciente, auxiliam os municípios a trabalharem em rede.
COSEMS/SP: Como está o edital para contratação da empresa para implantação da estratégia do e-SUS?
Tardelli: Estamos finalizando a contratação de uma empresa que irá capacitar o e-SUS e as unidades em novas rotinas de funcionamento. Esperamos assinar o contrato até outubro e a empresa pode ir ao território, pois pretendemos entregar as primeiras unidades já em dezembro e janeiro. Está previsto, até o final deste ano, a entrega de, pelo menos, 17 unidades. As primeiras serão na região de Avaré, depois Campinas e na sequência as outras entregas. Já 2018 será de intensidade máxima.
COSEMS/SP: O que significa o projeto de planificação da Atenção Básica?
Tardelli: É uma estratégia de apoio e capacitação das unidades básicas que veio por intermédio do CONASS, com base nas premissas do Eugênio Vilaça. O CONASS realizou um experimento em Santo Antônio do Monte, em Minas Gerais, onde conseguiu qualificar a atenção primária, melhorar o atendimento e encaminhamento da atenção secundária e fazer uma boa referência e contra referência. Depois espalharam a experiência para o estado do Ceará e Paraná. Visitamos a experiência e iniciamos um projeto piloto na região de Avaré, há pelo menos um ano. O piloto consiste em oficinas mensais, com temas previamente definidos como, por exemplo, territorialização, estratificação de risco, ou temas mais cotidianos como sala de vacina, onde toda equipe fica um dia com um monitor, treinado para a função, e depois ocorre a capacitação em serviço, com o monitor frequentando a unidade. Tem sido muito interessante com adesão entusiasmada por parte dos municípios e estamos tentando mudar algumas práticas como bloco de horas para atendimento da agenda, dentre alguns aspectos que estão começando a aparecer, como novas práticas. O que chamou a atenção foi o desejo, nas regiões, de ter alguém que pudesses conversar e discutir este apoio com pessoas experientes e dentro das unidades. Estamos preparando um resumo para apresentar ao COSEMS/SP, pedido feito em reunião, com os resultados para os assessores técnicos do COSEMS/SP se apropriem e discutirem essa iniciativa, pois nada é definitivo, embora seja uma experiência pequena, em uma região com 300 mil habitantes em um estado com mais de 40 milhões de pessoas.
COSEMS/SP: E quanto ao processo de Educação permanente dentro do BID?
Tardelli: Pretendemos estruturar algumas técnicas e premissas como uma política de Educação Permanente do SUS. Isso é importante porque é do SUS e não da SES/SP, ou seja, o que devemos fazer dentro da Educação Permanente que vire diretriz. Precisamos saber quais as melhores tecnologias disponíveis como Ead (Educação à Distância), saber se é bom, se necessitamos unir junto a práticas presenciais, ou presencial puro. Enfim, como podemos nos estruturar para atingirmos o melhor resultado. Quais são os desafios? O processo já iniciou e quem está conosco é o pessoal da Unicamp, do Nepp, da Carmem Lavras, que nos entregarão um plano, o produto é um plano. Já teve uma oficina de início, agora irão aos territórios e, por intermédio dos Departamentos Regionais de Saúde (DRS), farão um ponto de apoio aos municípios. É importante a SES ser este apoio.
COSEMS/SP: Como você avalia a relação do COSEMS/SP dentro deste processo do BID?
Tardelli: O COSEMS/SP é um parceiro fundamental para termos êxito neste projeto, porque é o COSEMS/SP que conhece a alma do secretário municipal, e conhece os problemas do cotidiano sanitário municipal e o nosso objeto é o município menos do que o estado. Portanto, para que o projeto tenha possibilidade de êxito, tem que ter essa colaboração. O COSEMS/SP possui toda a visão, conhecimento e legitimidade política para poder adentrar no município. Então é fundamental termos o estreitamento e aproximação desta relação. Com o COSEMS/SP tudo se torna mais fácil. Sem o COSEMS/SP vamos gramar sem conseguir o alcance e chegar lá na ponta, onde precisamos chegar.
COSEMS/SP: Quanto ao fator financeiro, qual foi o montante total destinado ao projeto?
Tardelli: Estimamos em R$ 830 milhões. Devido ao projeto ser dolarizado, conseguimos um ganho pelo fato da valorização do dólar. No início do projeto estava R$ 2,20 e passou para cerca de R$ 3,10, muito embora tivemos a diferença inflacionária neste período (2013 a 2019), mas houve uma ampliação do escopo do projeto. Trata-se de um recurso muito importante, principalmente em um período de crise financeira no país, pois quando do seu início não havia essa conjuntura de crise (2013).