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O site do COSEMS/SP publicará, nas próximas semanas, as oito experiências municipais premiadas na 15º Mostra Nacional ‘Brasil Aqui Tem SUS‘, celebrada durante o 34º Congresso do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (CONASEMS), que aconteceu em Belém (PA), entre os dias 25 e 27 de julho de 2018. O estado de São Paulo contou com 40 trabalhos no evento, todos premiados no 8º Prêmio David Capistrano, realizado no decorrer do 32º Congresso do COSEMS/SP, em Rio Claro, em abril deste ano.
A troca de experiências exitosas é fundamental para a consolidação do trabalho das equipes de Saúde, assim como para o fortalecimento, construção e qualificação das ações realizadas no SUS. O COSEMS/SP parabeniza todos os trabalhos, vencedores ou não, que fazem o SUS crescer se fortificar!! Confira abaixo a experiência de Itapeva (SP):
A taxa de mortalidade infantil (TMI) fornece uma estimativa do risco de morrer a que esta população está exposta no primeiro ano de vida, sendo um sensível indicador de condições de vida e saúde. A grande maioria das mortes nesta faixa etária é evitável, estando relacionadas principalmente às condições de vida, da gestação, do parto e integralidade da criança.
A mortalidade infantil (MI) sofre influência direta das condições socioeconômicas e reflete a efetividade de intervenções governamentais no âmbito da saúde pública. Nestas condições, a análise de suas variações geográficas e temporais pode subsidiar processos de planejamento, gestão e avaliação de políticas e ações de saúde voltadas à saúde infantil, representando importante instrumento de acompanhamento da qualidade dos serviços de saúde.
A redução da mortalidade infantil fez parte dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, compromisso dos países membros da Organização das Nações Unidas (ONU) para que, com a globalização, o mundo se torne mais inclusivo e equitativo. Para atingir a meta, o Brasil deveria apresentar uma taxa de mortalidade infantil inferior a 15,7 óbitos por mil nascidos vivos ao fim de 2015. Isso equivale a uma redução de dois terços em relação às taxas de 1990. Em 1980, a taxa era de 78,5 óbitos por mil nascidos vivos; em 2015 de 12,4, demonstrando que o país acompanhou uma tendência global de queda da MI influenciada pelos diversos investimentos na área socio educacional, de saneamento e de saúde.
O estado de São Paulo, entre 2010 e 2016, ficou abaixo da média nacional, com taxas de MI variando de 10,8 a 11,8. Nesse mesmo período, Itapeva oscilou entre 15,0 a 23,3, chegando a apresentar taxas correspondentes ao dobro da média do Estado. No ano de 2016, apenas 27% dos municípios paulistas obtiveram uma taxa de mortalidade infantil superior a 14 óbitos por mil nascidos vivos, dentre eles, o município de Itapeva (20,9).
Historicamente, o município sempre apresentou índices elevados de TMI. No entanto, em 2017, atingiu-se um valor nunca antes registrado de oito óbitos por mil por nascidos vivos (Tabela abaixo). O presente trabalho tem por objetivo descrever as estratégias implantadas pelo município que ocasionaram a redução da mortalidade infantil.
A produção deste artigo se deu a partir das experiências vivenciadas para a implantação de estratégias de combate a mortalidade infantil no município de Itapeva. O município situa-se na região sudoeste do estado de São Paulo, a 270 km da capital, possuindo 93.570 habitantes, sendo a segunda maior cidade do Estado em dimensão territorial, com extensa área rural. O Índice de Desenvolvimento Humano Municipal em 2010 foi 0,732, enquanto que o IDH do Estado de São Paulo, no mesmo período foi de 0,853 ambos considerados altos.
O município possui uma estrutura própria do sistema de saúde que conta com 23 unidades básicas de saúde (UBS), sendo 15 Estratégias Saúde da Família (ESF), sete Estratégias de Agentes Comunitários de Saúde (EACS) e um Centro de Saúde; um Centro Materno Infantil (referência para gestantes e crianças menores de dois anos de alto risco); um Núcleo Ampliado da Saúde da Família – NASF I; um Serviço de Assistência Especializado em Moléstias Infectocontagiosas, um Centro de Especialidades; um Centro de Referência à Saúde do Trabalhador (CEREST), uma unidade de Saúde Mental (CAPS II); uma Casa do Adolescente e uma Unidade de Pronto Atendimento – UPA24h.
Na área hospitalar, possui um único hospital, a Santa Casa de Misericórdia de Itapeva (SCMI), filantrópico, caracterizado como médio porte, referência regional para 15 municípios. Possui pronto socorro referenciado, leitos clínicos, cirúrgicos, intensivo adulto (10 leitos) e neonatal (10 leitos), setores de hemodiálise, oncologia e maternidade de alto risco. Soma-se ainda à rede de saúde um Ambulatório Médico de Especialidades (AME) também de referência regional.
Em 1998, o município implantou o Comitê de Mortalidade Materno Infantil (CMMI), regulamentado pela Portaria n° 1.798/1998, composto por uma equipe multidisciplinar de médicos, enfermeiros e outras áreas técnicas envolvidas com o tema, atuantes na Atenção Primária e Especializada, Vigilâncias em Saúde, Programa de IST/AIDS e Serviço Hospitalar; com a finalidade de investigar todos os óbitos maternos, infantis e fetais, visando identificar e recomendar a correção de falhas, bem como propor e apoiar temas para a capacitação dos profissionais de saúde envolvidos na assistência à gestação, parto, puerpério, saúde da criança e da mulher.
O CMMI possui uma ficha padronizada de Investigação de Óbito, preenchida sistematicamente em todo caso de óbito materno, infantil ou natimorto. Os investigadores tratam-se de enfermeiros e médicos da rede básica que realizam a investigação em 2 momentos: 1 – entrevista com a família no domicílio e observação das condições de vida; 2 – leitura e transcrição literal da assistência prestada, registrada nas fichas de atendimento e prontuários dos serviços de saúde, desde o início da gestação até o momento do óbito, compreendendo o atendimento prestado pelos serviços da atenção básica, unidades de referência e especialidades, pronto socorros, maternidade, rede particular e conveniada, ou seja, todas as instituições de saúde que prestaram atendimento a esta gestante/criança. Em posse desses dados, durante as reuniões que ocorrem mensalmente é realizada uma apresentação do caso e a equipe do CMMI faz a reconstrução da causa básica do óbito, identifica as fragilidades ocorridas durante o processo que levou ao óbito, discutindo a evitabilidade e encaminhando as recomendações para o gestor.
Resultados
As ações foram iniciadas efetivamente a partir de 2014. Primeiramente, procurou-se conhecer quais eram as principais fragilidades decorrentes dos óbitos infantis e as investigações do CMMI identificaram as principais causas das mortes e guiaram a introdução de novos insumos e reorientação de condutas e fluxos.
A princípio, constatou-se que muitos óbitos relacionavam-se à infecções tratadas inadequadamente e controle/tratamento impróprio das hipertensões e diabetes, situações que estavam previstas e orientadas em protocolos assistenciais, porém que na prática, não estavam sendo cumpridas.
A partir disso, foram priorizados temas para capacitação e deu início a um trabalho de educação permanente, visando fortalecer o trabalho das equipes de atenção primária à saúde e melhorar a assistência ao pré-natal.
Realizou-se o “I Ciclo de Atualização do Pré-natal” destinado a médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem e Agentes Comunitários de Saúde (ACS). Os temas abordados foram: a) Aos médicos e enfermeiros – atualização do protocolo de pré-natal, tratamento das infecções urinárias, tratamento da hipertensão na gestação; b) Aos técnicos de enfermagem e ACS: atualização do protocolo de pré-natal simplificado, importância da pré e pós consulta de enfermagem e da visita domiciliar; c) À equipe multiprofissional: aleitamento materno.
Diante do diagnóstico de outras fragilidades no seguimento dos protocolos assistenciais foi desenvolvida uma ficha individual de monitoramento e acompanhamento do pré-natal com a função de orientar as rotinas e ampliar o olhar sobre a gestante. Nessa ficha, as enfermeiras das unidades de saúde preenchem mensalmente todos os dados relativos ao pré-natal, incluindo perfil socioeconômico, datas das consultas e retornos, resultados de exames, tratamentos realizados, esquema vacinal, encaminhamentos, consulta odontológica, realização do pré-natal do homem, Papanicolaou, exame especular, visita do ACS e educação em saúde. Posteriormente, as fichas são monitoradas por enfermeiras do grupo técnico que avaliam in loco se o seguimento está adequado ou não, e ao identificar inconsistências faz-se um alerta imediato à unidade de saúde que prontamente verifica a situação. Essa estratégia é importante à medida que condutas mal ou não realizadas são precocemente identificadas e resolvidas, caracterizando-se também como educação para a equipe. Esta supervisão ocorre rotineiramente em todas as unidades de saúde, com maior frequência naquelas que apresentam maiores dificuldades. Essas fichas também são utilizadas para alimentação do Programa SISPRENATAL WEB.
Para a atualização do protocolo, foram introduzidos exames na rotina assistencial como a coleta de Papanicolaou preferencialmente na primeira consulta de pré-natal; o teste rápido de proteinúria e disponibilização de Kit de antibioticoterapia na própria unidade de saúde para tratamento imediato em casos de ITU em gestante. Diante dos inúmeros casos de mal formações verificou-se a necessidade de ampliar de duas para três o número de ultrassonografias obstétricas realizadas de rotina para gestante de risco habitual, possibilitando o encaminhamento oportuno para o serviço de referência. Devido aos casos inconclusivos, porém com presença de infecção neonatal, verificou-se a necessidade de implantação de exames diagnósticos de infecção materna, sendo incluída a pesquisa de Streptococcus tipo B entre a 35ª. e 37ª. semana gestacional, e de vaginose bacteriana com apoio de teste de ph e amina em qualquer período do acompanhamento, sendo obrigatório realizá-los em torno da 20ª. semana gravídica para garantia do exame especular.
A identificação de casos de óbitos em famílias com alta vulnerabilidade fez surgir a necessidade de fortalecer as visitas domiciliares. Além da manutenção rotineira das visitas dos ACS, implantou-se a visita domiciliar a partir da 36ª. semana por, minimamente, um profissional de formação técnica da unidade de saúde para avaliação das condições de moradia e dinâmica familiar; e visita da enfermeira para todos os recém-nascidos/puérperas até o 7° dia de nascimento, independentemente do convênio utilizado (SUS ou particular) para orientações de cuidados e educação em saúde. Essa experiência aproximou as famílias às equipes, ampliou o acesso e estimulou o vínculo entre família/profissional.
A vulnerabilidade social também foi o cerne da idealização do “Projeto Viver”. Em parceria com a Fundação Itaú Social, ele perdurou nos anos 2015 a 2017, com o objetivo de fortalecer a rede de apoio e complementar o acompanhamento de gestantes e crianças seguindo critérios de maior risco social por meio de equipe multiprofissional formada por enfermeira, assistente social, psicóloga e técnico de enfermagem. É válido ressaltar que das 200 mulheres e seus filhos acompanhados no período, não houve nenhum caso de óbito.
A necessidade de educação em saúde desse público suscitou a implantação via lei municipal da Semana do Bebê a ser realizada no mês de maio de cada ano, onde todas às equipes se mobilizam para realizar ações educativas, de sensibilização e motivacionais do cuidado à criança. Concomitantemente, criou-se o Projeto Maternagem, visando nutrir as mulheres de informação realizando ações educativas, grupo de gestantes e palestras em sala de espera de temas relacionados ao manejo e cuidado à gestante e ao RN. As ações são realizadas semanalmente em todas as unidades básicas de saúde e Centro Materno Infantil, desenvolvidas pela própria equipe multiprofissional, sob supervisão a distância da Gerência de Atenção Básica e do NASF.
A fim de promover uma reflexão sobre o processo de trabalho, autoavaliação e educação continuada aos profissionais, após os apontamentos realizados pelo CMMI a cada óbito investigado, instituiu-se uma roda de conversa com a equipe da unidade de saúde envolvida onde são discutidos os pontos positivos e as fragilidades do acompanhamento pre natal e pueril.
Diante dessas vivências, conclui-se que o trabalho em equipe multiprofissional concomitante à sensibilização dia a dia frente a responsabilidade individual e da equipe no cuidado e atenção à gestante e ao menor de ano foram de grande importância para os avanços galgados. No entanto, destacamos o papel do enfermeiro neste cenário, tanto enquanto gerente da unidade de saúde ao conduzir e liderar sua equipe, quanto à vigilância e coordenação de todas as ações e processos realizados.
Conclusões
Importante destacar que a redução da mortalidade não foi imediata. Passaram-se três anos para sentirmos o reflexo nos indicadores.
O novo desafio é manter as equipes motivadas, atualizadas e monitoradas, a fim de conservarmos esse indicador em valores menores que um dígito. Há uma conduta expectante no sentido de avaliarmos se passamos por um ano atípico e retornaremos a apresentar taxas indesejáveis, ou se realmente tivemos êxito consistente e todas as ações implantadas estão consolidadas no processo de trabalho das equipes.
É fato que as ações municipais de promoção do cuidado seguro e qualidade da assistência à gestante, parto e criança menores de um ano devem ser contínuas e sistemáticas. Além disso, tornam-se imprescindíveis também os constantes investimentos e políticas adequadas do poder público.
Autores
Gislaine Pinn Gil,
Dalvane Cristina de Morais Oliveira,
Karen Grube Lopez,
Kely Keyko,
Regina Célia César