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O site do COSEMS/SP publicará, nas próximas semanas, as oito experiências municipais premiadas na 15º Mostra Nacional ‘Brasil Aqui Tem SUS‘, celebrada durante o 34º Congresso do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (CONASEMS), que aconteceu em Belém (PA), entre os dias 25 e 27 de julho de 2018. O estado de São Paulo contou com 40 trabalhos no evento, todos premiados no 8º Prêmio David Capistrano, realizado no decorrer do 32º Congresso do COSEMS/SP, em Rio Claro, em abril deste ano.
A troca de experiências exitosas é fundamental para a consolidação do trabalho das equipes de Saúde, assim como para o fortalecimento, construção e qualificação das ações realizadas no SUS. O COSEMS/SP parabeniza todos os trabalhos, vencedores ou não, que fazem o SUS crescer se fortificar!! Confira abaixo a experiência de São Bernardo do Campo (SP):
VIR A SER – Estratégia interna para difusão de teorias e práticas para o atendimento dos TEA no contexto da reabilitação da pessoa com deficiência – CER IV – São Bernardo do Campo (SP)
Os Centros Especializados em Reabilitação (CER) surgem no bojo da Rede de Cuidados à Pessoa com Deficiência, instituída pela Portaria GM 793, de 24 de abril de 2012. Como um ponto de atenção ambulatorial especializada em reabilitação que realiza diagnóstico, tratamento e concessão de tecnologia assistiva, constitui-se em referência para a rede de atenção à saúde no território (BRASIL, 2012).
Como componente de Atenção Especializada em Reabilitação Auditiva, Física, Intelectual, Visual, e em Múltiplas Deficiências observa como regras de funcionamento: ser um serviço de referência regulado, de base territorial e que fornece atenção especializada às pessoas com deficiência temporária ou permanente, progressiva, regressiva, ou estável, intermitente e contínua, severa e em regime de tratamento intensivo; estabelecer-se lugar de referência de cuidado e proteção para usuários, familiares e acompanhantes nos processos de reabilitação auditiva, física, intelectual, visual e múltiplas deficiências; produzir, em conjunto com o usuário, seus familiares e acompanhantes, e de forma matricial na rede de atenção, um Projeto Terapêutico Singular (PTS), baseado em avaliações multidisciplinares das necessidades e capacidades das pessoas com deficiência, com foco na produção da autonomia e o máximo de independência em diferentes aspectos da vida; garantir que a indicação de dispositivos assistivos devem ser criteriosamente escolhidos, bem adaptados e adequados ao ambiente físico e social, garantindo o uso seguro e eficiente; melhorar a funcionalidade e promover a inclusão social das pessoas com deficiência em seu ambiente social, através de medidas de prevenção da perda funcional, de redução do ritmo da perda funcional, da melhora ou recuperação da função; da compensação da função perdida; e da manutenção da função atual; estabelecer fluxos e práticas de cuidado à saúde contínua, coordenada e articulada entre os diferentes pontos de atenção da rede de cuidados às pessoas com deficiência em cada território; realizar ações de apoio matricial na Atenção Básica, no âmbito da Região de Saúde de seus usuários, compartilhando a responsabilidade com os demais pontos da Rede de Atenção à Saúde; articular-se com a Rede do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) da Região de Saúde a que pertença, para acompanhamento compartilhado de casos, quando necessário; articular-se com a Rede de Ensino da Região de Saúde a que pertença, para identificar crianças e adolescentes com deficiência e avaliar suas necessidades; dar apoio e orientação aos educadores, às famílias e à comunidade escolar, visando à adequação do ambiente escolar às especificidades das pessoas com deficiência (BRASIL, 2012).
Em 2013, a Coordenação Nacional de Saúde da Pessoa com Deficiência do Ministério da Saúde publicou em seu site o documento “Diretrizes de Atenção à Reabilitação da Pessoa com Transtornos do Espectro do Autismo (TEA)” (publicado em versão física em 2014), em resposta a reivindicações da sociedade civil organizada e à operacionalização do direito da pessoa com autismo ao “acesso a ações e serviços de saúde, com vistas à atenção integral às suas necessidades de saúde”. Tal direito passa a ser assegurado na Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista, instituída pela Lei No. 12.764, de 27 de dezembro de 2012, que também passa a considerar a pessoa com autismo como pessoa com deficiência para todos os efeitos legais.
Como Transtorno do Espectro do Autismo ou TEA entende-se, de acordo com o Protocolo do Estado de São Paulo de Diagnóstico, Tratamento e Encaminhamento de Pacientes com Transtorno do Espectro Autista (TEA):
“um termo que engloba um grupo de afecções do neurodesenvolvimento cujas características envolvem alterações qualitativas e quantitativas da comunicação, seja a linguagem verbal e/ou não verbal, da interação social e do comportamento caracteristicamente estereotipado, repetitivo e com gama restrita de interesses. O grau de gravidade varia desde um quadro leve até dependência para as atividades da vida diária ao longo de toda a vida.” (SÃO PAULO, 2013, pp 01)
Também, segundo esse protocolo, consideram-se como TEA os seguintes diagnósticos: F84 – Transtornos Globais do Desenvolvimento; F84.0 – Autismo Infantil; F84.1- Autismo Atípico; F84.5 – Síndrome de Asperger; F84.8- Outros Transtornos Globais do Desenvolvimento; F84.9- Transtornos Globais Não Especificados do Desenvolvimento.
Sobre as causas dessa condição, sabe-se até o momento que:
“A etiologia do TEA é multifatorial, ou seja, existe um componente genético, mas também um componente ambiental. Alguns dos fatores de risco ambiental compreendem a prematuridade, baixo peso ao nascer, infecções e falta de vitaminas. Fatores de risco para o componente genético compreendem familiar de primeiro grau acometido, defeitos congênitos e idade dos pais acima de 40 anos. O diagnóstico deve ser feito por equipe multiprofissional, considerando-se os critérios da CID 10. É um diagnóstico eminentemente clínico e deve ser feito por anamnese completa e observação da criança por profissionais qualificados.” (SÃO PAULO, 2013, pp 02)
Diante desse pano de fundo e, intimamente relacionado ao processo de habilitação e reorganização de Policlínica como CER IV em 2013, profissionais de diferentes equipes do Centro Especializado em Reabilitação de São Bernardo do Campo passam a refletir sobre os processos de cuidado a pessoas com autismo no serviço, e a elaborar uma proposta de revisão dessas práticas através de uma estratégia de cuidado interdisciplinar, que discutia questões clínicas e organizacionais originárias nos atendimentos e deflagraram inquietações/reflexões que foram desdobradas numa proposta de rearranjo institucional, avalizado pela gestão, para dar continente a demandas até então não contempladas no serviço – a saber: o cuidado aos usuários em risco psíquico[1], com hipótese diagnóstica ou diagnóstico de TEA, atendidos pelas diversas equipes do CER. Importa destacar que esses usuários apresentavam (e apresentam) manifestações sintomáticas de natureza motora, linguística e comportamental – associadas, via de regra, à presença de uma deficiência – física, auditiva, visual, intelectual e, assim, abordadas em suas características mais evidentes, numa relação de causalidade direta (alteração motora – fisioterapia; alteração na fala – fonoaudiologia, etc.). Dessa forma, manifestações “comportamentais” ou “secundárias” não chegavam a ser tomadas como questão para o atendimento. E, como consequência, o processo terapêutico desses usuários parecia não avançar.
Também em 2013 a Coordenação Nacional de Saúde Mental, Álcool e outras Drogas do Ministério da Saúde colocou em consulta pública a “Linha de cuidado para a atenção às pessoas com transtornos do espectro do autismo e suas famílias na rede de atenção psicossocial no Sistema Único de Saúde” (publicado em 2015), documento que prevê a articulação da Rede de Atenção Psicossocial com a Rede de Cuidados à Pessoa com Deficiência. Esta publicação expressa ainda que:
“Nos quadros do espectro do autismo, cabe à Rede de Cuidados à Saúde da Pessoa com Deficiência desenvolver estratégias terapêuticas de modo acolhedor e humanizado, direcionando suas ações ao desenvolvimento de funcionalidades e à compensação de limitações funcionais, como também à prevenção ou retardo de possível deterioração das capacidades funcionais, por meio de processos de habilitação e reabilitação focados nas dimensões cognitivas e de linguagem oral, escrita e não-verbal, na condição de vetores básicos à circulação e a pertença social dos indivíduos.” (BRASIL, 2015, pp 114)
A partir da discussão de casos clínicos em supervisão e com o apoio da gestão, reuniões sistemáticas foram iniciadas com o objetivo de estabelecer as linhas gerais e o modelo de atendimento a ser oferecido aos usuários com hipótese diagnóstica ou diagnóstico de TEA. Em setembro de 2015, foram feitas as primeiras leituras e a modelagem da estratégia nomeada de “Vir a Ser”, expressão utilizada por Alfredo Jerusalinsky para dizer da possibilidade de um organismo ascender à posição de sujeito. Este grupo foi constituído por profissionais das diferentes equipes do CER, com diferentes formações, incluindo especialidades médicas como pediatria, neurologia e psiquiatria
O Vir a Ser se torna, a partir de janeiro de 2016, um lugar de encontro com usuários e suas famílias, um lugar de escuta e cuidado. Nasce como uma forma possível, dentro do CER, de difusão de teorias e práticas para o atendimento dos TEA.
A experiência te por objetivo oferecer atendimento clínico interdisciplinar voltado para a singularidade dos casos de TEA, de modo diferenciado das práticas já produzidas no CER e eopecíficas da reabilitação.
Objetivos Específicos
Organização das Práticas de Cuidado
Acolhimento
Trata-se da via de entrada do usuário no serviço, por meio de encaminhamentos oriundos das unidades básicas de saúde, CAPS (Centro de Atenção Psicossocial) e profissionais do CER. É realizado preferencialmente por uma dupla de profissionais da estratégia (Vir a Ser), às terças e quintas-feiras, através de entrevista breve a fim de levantar as principais demandas do caso e possíveis encaminhamentos (internos e externos).
Avaliação
Realizada em até 4 encontros com o usuário e seus familiares, através de entrevistas e observações geralmente com 3 profissionais (fonoaudiólogo, psicólogo e terapeuta ocupacional), baseando-se em roteiro desenvolvido pelos profissionais (tendo como referências Diretrizes de Atenção à Reabilitação da Pessoa com Transtornos do Espectro do Autismo – Ministério da Saúde e Avaliação Psicanalítica de Crianças de 3 anos – AP3), explorando aspectos de dinâmica familiar; função paterna (internalização da lei simbólica); a posição na fala e na linguagem; o corpo e sua imagem; o brincar e a fantasia. O processo de avaliação encerra-se após a discussão do caso com todos os profissionais da estratégia e devolutiva à família, com pactuação do Projeto Terapêutico Singular.
Atendimento individual
Considera-se a possibilidade de atendimento individual para o usuário que a partir da avaliação apresenta riscos para o desenvolvimento, necessitando de um manejo terapêutico específico e emergencial nas relações familiares e orientações pontuais a tempo de reajustar as dificuldades identificados para posterior inserção no grupo terapêutico.
Atendimentos em grupo
A partir da discussão do PTS elege-se um profissional referência, que mediará a participação do usuário no grupo terapêutico – estratégia que favorece a intervenção no campo das relações (entre os usuários, os familiares e os profissionais). Em função das demandas apresentadas pelo grupo, são definidos temas a serem explorados nas atividades propostas. Em 2016, os temas “Corpo”, “Alimentação” e “Inserção na Cultura” foram abordados nos atendimentos, por meio de atividades lúdicas, sensoriais, motoras. As práticas envolvem a utilização de recursos facilitadores de rotina (como por exemplo, músicas para marcar o início e término do atendimento). Propõe-se atividades estruturadas, semi-dirigidas e compartilhadas, utilizando diferentes espaços do serviço (brinquedoteca, ateliê, área de convivência) e espaços sociais (feira, praças, shopping). O modo de operar não é fixo. Valoriza-se o conceito da alternância como modo de marcar a alteridade, a troca, a iniciativa, o ritmo, o protagonismo dos profissionais, usuário e familiares. Subverte-se a noção de normatização, trabalhando a ressignificação de comportamentos e manifestações.
Grupo de familiares
Considerando os temas explorados nos atendimentos, é proposto aos familiares um espaço de escuta, discussão, reflexão e construção, concomitante ao atendimento dos usuários em grupo. Pretende-se cuidar e entender as relações familiares, perpassando por questões de diagnóstico, comportamento, manejo do dia-dia dentre outras questões demandadas pelo grupo, favorecendo as trocas, identificações e empoderamento da família.
Construção do cuidado em rede
A construção da rede interna teve início com a reunião entre os profissionais do Vir a Ser e os Neuropediatras que atendem no CER. Na ocasião foram discutidas questões relativas ao diagnóstico de TEA, sugestão de fluxo para encaminhamentos e perfil de elegibilidade para a estratégia. Em momento posterior, realizou-se reunião com a equipe de Desenvolvimento Inclusivo para discussão de casos e remanejamento dos atendimentos de alguns usuários, cujas características sintomáticas do autismo se apresentavam, na época, mais predominantes do que os prejuízos cognitivos marcados pela deficiência intelectual. A rede externa se dá a partir da necessidade de estabelecer diálogo entre profissionais de diferentes espaços de cuidado e de vida. Destacamos a importância de discussões de caso e pactuação de ações conjuntas com diferentes serviços e instituições, como, por exemplo, as parcerias realizadas em 2016: escolas, Equipe de Orientação Técnica (EOT), Unidades Básicas de Saúde (UBS), CAPSi, CAISM e Conselho Tutelar.
Apoio à inclusão – atividades externas
Com o objetivo de promover a inclusão social e circulação na cidade, são programadas atividades externas, que favorecem a inserção na cultura e o fortalecimento da cidadania. Através desta intervenção, temos percebido nas famílias a construção de estratégias para maior apropriação dos espaços sociais e de novas possibilidades de modos de viver e habitar a cidade.
SER Família
Trata-se de uma prática de participação e controle social do CER, que promove encontros entre profissionais e familiares, com o objetivo de discutir temas, em caráter educativo, informativo e social, com abertura para acolher questões trazidas pelos participantes, reavaliando e validando os processos de cuidado da instituição.
Resultados
De janeiro de 2016 a dezembro de 2017, 195 usuários foram acolhidos pela estratégia Vir a Ser. Desses, 20 já estavam sendo atendidos no CER e 175 foram encaminhamentos externos. Após escuta qualificada, 65 foram avaliados por equipe multidisciplinar e 21 apresentaram o perfil de elegibilidade e iniciaram o processo de reabilitação semanalmente. Assim, 41 usuários foram inseridos nos tipos de atendimentos ofertados pela estratégia, que se encontra em um único dia da semana.
Conclusões
O estabelecimento de uma forma de cuidado integral aos usuários com deficiência representa um dos maiores desafios da reabilitação. Com a entrada dos quadros de TEA no rol das deficiências, o cenário da reabilitação se vê diante de desafios ainda maiores: um primeiro: criar linhas de cuidado para os usuários com essa sintomatologia no âmbito da reabilitação e, não menos importante, considerar que a presença de uma deficiência pode dificultar o desenvolvimento, levando a falhas no processo de constituição do sujeito. Com isso, quadros com indícios de autismo são recorrentes e requerem, portanto, manejo diferenciado. A estratégia Vir a Ser se constitui como um lugar possível para os desdobramentos teóricos e clínicos a partir das reflexões e atendimentos a esses usuários.
Autores
Gilmara Pereira Castro
Larissa Laís de Sá Trentim
Milena de Faria Trigo Pellegatti
Marcia Conceição Abbamonte
Antonia Alice de Souza Fonseca
Mayra Tomaz Freire
Luana Ferreira de Araujo
Patricia Helena Vaqueiro Marques